segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Parênteses - Crítica Teatral da peça "Jozú, o encantador de ratos", por Jória Lima


O espetáculo teatral Jozú, o encantador de ratos, texto da obra de Hilda Hilst foi como um desses momentos especiais que queremos compartilhar com amigos íntimos. Os que tiveram o privilégio de ver a peça no Teatro Banzeiros, durante a Mostra de Artes promovida pela SEMED, em Porto Velho, nos dias 27 e 28 de novembro de 2010, se encantaram com a performance da atriz Carla Tausz, que se desdobra em vários personagens na cena de forma encantadora e convincente.
A platéia se vê envolvida durante toda a peça com as aventuras de Jozú e seu ratinho amestrado lidando com dificuldades pra sobreviver ao Sistema, assim mesmo, com S maiúsculo. Ele próprio, o pequeno Jozú, filho torto de um general, se pergunta por que um uniforme é tão importante?
Jozú, assim como nós, quer entender por que uma fábrica vale mais do que as pessoas que trabalham nela? Será que uma sacola de plástico vale mais do que um ser humano? O que ela carrega? Assim, Jozú, dentro de seu poço seco que o liga aos questionamentos mais transcendentes ao mesmo tempo em que o mantém ligado a terra e aos interesses mundanos de seus co-habitantes Josuelda e Guzuel, nos coloca face a face com nossos próprios questionamentos íntimos, existencialistas.
Como um espelho a nos revelar a própria face, Jozú é a inocência que dorme dentro do nosso poço fundo e seco, onde já se ouviu um dia o burburinho de águas límpidas e potáveis de um sonho bom e que aos poucos vai secando deixando apenas a lembrança da esperança em uma possibilidade remota de felicidade. Essa sensação de solidão, de impotência, de descrença diante da barbárie e da iminência de um indefectível final triste é o que situa o texto e a montagem entre as obras dos pós-modernistas, aqueles artistas que viram crescer e se desenvolver a industrialização, a ascensão e o declínio das ideologias nazista, comunista e socialista, viram eclodir as guerras e herdaram a violência, o desamparo, a solidão e o medo, insurgindo-se contra toda sorte de opressão e poder autocrático.
Hilda Hilst fala pela minoria e pela possibilidade de co-existência pacífica de diferentes modos de vida. Carla Tausz recupera essa utopia. Leva-nos a repensar nosso propósito de vida ou então, nos perguntarmos de que adianta correr se não se sabe pra onde? Quanto tempo mais terá que ser ouvida essa voz do fundo do poço que alerta para o perigo iminente? O Sistema não tem ouvidos. Nós temos.

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Jória Lima* Atriz, diretora, dramaturga, crítica teatral e especialista em Arte Contemporânea.
Fotos: Divulgação

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