domingo, 8 de agosto de 2010

TPM: A música no teatro, aqui nunca dantes contestada*

Segunda-feira, 02 de agosto, fui ao Sesc assistir ao espetáculo OFF INFERNO OU LAVE OS CÉUS PARA QUE EU MORRA, com a Cia Cacos de Teatro, de Manaus, baseada na DIVINA COMÉDIA, de Dante Alighieri. Um espetáculo surpreendente, corajoso e instigante, numa performance excêntrica de Francis Madison.

Madison reúne caracteres físicos e artísticos que fazem dele um artista excepcional. Além do talento, a pesquisa e o trabalho de construção conceitual e estética fazem de suas investidas um acontecimento cultural de relevância. Tanto que repercutiu e acabou sobrando pra mim.

Depois dessa tocante apresentação, tenho sido questionado sobre a importância da música no teatro. Aqui deixo minhas impressões sobre a peça e cismas sobre o assunto.

Ao fim do espetáculo, como tem sido de costume nesses eventos, foi aberto um espaço para o debate. Foram muitos elogios e algumas críticas, entre elas a de que faltava música na apresentação. Na verdade, teve música. Uma, fazendo a abertura e outra o encerramento. A ausência de trilha sonora no decorrer da peça acabou causando angústia em alguns espectadores.

Os integrantes da Cia explicaram que não queriam usar um condutor de emoções que interferisse na atuação, possivelmente prejudicando a fluência do espetáculo e a livre imaginação da platéia. Espectadores expuseram que não sentiram a falta de música, pois a perceberam implícita, interiorizada, através do ritmo performático.

Surgiu também o argumento de que a música poderia nos levar a determinadas zonas de conforto, o que, com certeza, não era a intenção da peça. São argumentos essenciais. Só não podemos limitar a música, pois ela também pode ser um recurso inibidor de emoções, como pode nos levar às zonas psíquicas mais desconfortáveis. Eu entendo que qualquer espetáculo é uma composição de elementos e recursos que preenchem o tempo e o espaço da peça, conduzindo, sugestionando, propondo, instigando, provocando, ou simplesmente criando uma atmosfera propícia para a introspecção.

De qualquer maneira, o artista está ali para proporcionar a inauguração de reflexões e sensações. A música pode ou não ser usada como recurso, como linguagem, assim como o cenário, o figurino, a dança, a iluminação, desde que estejam ali firmando coesões, compondo ou desconstruindo. São linguagens em freqüências distintas, cada uma com seu discurso, paralelo, seja em primeiro, segundo ou terceiro plano. O importante é, se ali estiver, que esteja por algo, para algo. A intencionalidade é que orienta o uso dos recursos, das linguagens, das técnicas. Assim como a música, a dança, o movimento, o cenário, a encenação, os símbolos também podem ser sugestionadores ou condutores de emoções, podendo nos transpor às angustias, ao aconchego, ao inconfortável.

Madison, com seus movimentos delicados ou extravagantes, através de pausas moderadas, foi contundente, (anti)poético, (a)musical. O afastamento da fala foi desconcertante, o silêncio significativo permitiu que ouvíssemos sutilmente a melodia do limbo e paraíso dantescos.

Parabéns!
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* O texto é de autoria do músico e poeta Rinaldo Santos (santos.rinaldo@yahoo.com.br)

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